terça-feira, 11 de maio de 2010


Semana da escravidão

13 de Maio: um dia para se comemorar?

Por Augusto Buonicore

No final da década de 1980, durante as comemorações dos 100 anos da abolição da escravidão, um debate acirrado tomou conta do movimento negro brasileiro. Qual a importância do 13 de maio? Ocorreu ou não uma verdadeira abolição da escravidão negra?

Em geral, predominou uma visão bastante crítica sobre a importância desta data até então considerada um dos marcos da história brasileira. Várias entidades exigiram sua retirada da agenda do movimento negro. Os mais radicais se negavam mesmo a reconhecer que tivesse ocorrido uma abolição. Para eles, o 13 de maio não passou de uma farsa contra a raça negra e, por isso mesmo, propunham a retirada de seu nome de várias ruas e praças públicas. Era preciso apagar da história essa data.

Este sentimento foi sustentado por vários acadêmicos de esquerda, que subestimavam a participação dos próprios escravos e trataram-na como "uma coisa de branco". O grande sociólogo Octávio Ianni chegou mesmo a afirmar que "não é a casta de escravos que destrói o trabalho escravizado, muito menos vence a casta de senhores (...) a escravidão foi extinta devido às controvérsias e aos antagonismos entre os brancos ou grupos e facções das classes dominantes".

No entanto, a visão negativa que predomina em alguns meios contrasta com os sentimentos dos homens e mulheres, brancos e negros, que viveram e lutaram naqueles turbulentos dias. No dia 13 de maio de 1888 uma multidão cercou o Parlamento imperial. Esperava ansiosa a votação da Lei Áurea. Para ela esta lhe parecia a vitória, ainda que parcial, de uma luta iniciada há séculos, mas que adquirira uma nova dimensão e radicalidade no início da década de 1880.

Quando a notícia da aprovação da lei chegou ao povo, uma explosão de alegria percorreu as ruas das principais cidades brasileiras. Os sinos das igrejas repicaram, missas foram rezadas, as repartições públicas fecharam as portas e o país foi tomado por uma grande festa popular, como jamais se tinha visto.

A abolição da escravidão, sem indenização (e sem condições), foi encarada, por todas as forças progressistas da sociedade brasileira, como uma vitória contra os senhores escravistas e, de fato, o foi. Mesmo o projeto imperial, enviado em 3 de maio, condicionava a abolição à compensação monetária aos proprietários e obrigava os libertos a permanecerem nas fazendas até o fim da safra. Tal proposta não pôde se sustentar tão grande foi a pressão das massas nas ruas do Rio de Janeiro.

O 13 de maio foi o resultado de uma vitoriosa aliança do movimento abolicionista urbano e a luta insurrecional dos escravos rurais. A junção dessas duas grandes correntes, que pelejavam pela libertação, ampliou e radicalizou o movimento pelo fim imediato da escravidão e precipitou os acontecimentos, que estavam sendo retardados pela intransigência dos setores escravistas e pela vacilação dos emancipacionistas (abolicionistas reformistas). A força desse movimento abalou o próprio aparelho de Estado monárquico-escravista. Vários oficiais do exército passaram recusar a perseguir escravos fugitivos e juízes começaram a dar sentenças favoráveis aos abolicionistas.

No Rio de Janeiro, o abolicionismo urbano radical tinha como expoente Luís Carlos de Lacerda e em São Paulo, Antônio Bento, chefe dos Caifazes. Papel destacado neste movimento teve a jovem classe operária brasileira, como ferroviários e cocheiros. Esses abolicionistas libertavam escravos e apoiavam as fugas individuais e coletivas, montando toda uma infra-estrutura para garantir a chegada dos libertos a lugares seguros. Um desses lugares foi o quilombo de Jabaquara, em Santos, que chegou a reunir mais de 10 mil negros fugitivos.

Entre 1887 e 1888 as fugas de escravos se tornaram uma verdadeira epidemia. As fazendas paulistas foram abandonadas pelos seus trabalhadores. Diante de uma abolição inevitável, a “vanguarda” dos fazendeiros paulistas abandonou os escravistas mais intransigentes e passou a manobrar no sentido de uma abolição gradual, que garantisse o que consideravam uma "justa indenização”.

O jornal abolicionista Vinte e Cinco de Março, que circulou no final de fevereiro de 1888, afirmou: "A resolução do problema do elemento servil não está hoje subordinado ao governo, ao poder legislativo, nem à vontade dos proprietários de cativos. Ela está dependendo única e exclusivamente da desorganização completa do trabalho escravo, competindo a execução dessa medida a um único poder — a resolução firme dos escravos". Ruy Barbosa, por sua vez, escreveu: "O não-quero dos cativos, esse êxodo glorioso da escravaria paulista, solene, bíblico, divino como os mais belos episódios dos livros sagrados, foi para a propriedade servil (...) o desengano definitivo".

Os abolicionistas radicais pagaram um alto preço por suas idéias e ações. Antônio Bento foi perseguido, teve sua casa cercada e invadida pela polícia. Descobriram-se vários planos para assassiná-lo. No Rio, a sede do jornal Vinte e Cinco de Março foi empastelada. Muitos abolicionistas foram assassinados por capangas dos fazendeiros escravistas. A história destes heróis da abolição ainda está por ser contada.

Uma visão radical da história do Brasil, assentada na compreensão da centralidade da luta de classes, nos leva a encarar o 13 de maio como uma data a ser comemorada pelo povo. Não como um tributo à família imperial brasileira, que até então havia sido um dos esteios da ordem monárquico-escravista conservadora, e sim como um tributo aos homens e mulheres, cativos e livres, que lutaram para a construção de um país moderno e mais justo.

Se o sonho dos abolicionista mais consequentes ainda não pôde ser realizado, podemos dizer que a abolição foi um dos passos necessários nessa longa caminhada, que apenas chegará ao fim com a conquista definitiva do socialismo. Contudo, esta é uma tarefa para as gerações atuais e futuras e não para aquela dos combatentes abolicionistas de 1888.

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